sábado, 10 de janeiro de 2015

LAGO DE SERPA GANHOU UMA COMUNIDADE QUILOMBOLA

Por: Tyrso Muñoz

Falar a respeito da presença de “negro” no Amazonas é tarefa muito difícil, apesar de sua enorme contribuição sócio cultural. Somente a partir da década de trinta do século passado surgiram os primeiros estudos sobre esse fato histórico na Amazônia (Funes 1995). Porém,, graças a boa vontade e interesse de alguns escritores e pesquisadores locais e estrangeiros, a cultura negra e indígena não permaneceram no anonimato.

As primeiras informações oficiais sobre o desembarque de escravos para Itacoatiara data de 1857. Período em que por ordem do Ministério da Justiça do Império do Brasil, foi transferido de Pernambuco um grupo de 36 escravos para o Amazonas, de um total de 50 apreendidos de navios que faziam o tráfico negreiro, entre África e o litoral nordestino.

Por influência de Irineu Evangelista de Souza (Barão de Mauá), os 36 negros foram enviados para trabalhar na Vila de Serpa (atual Itacoatiara), na antiga Colônia Agroindustrial, empreendimento constituído por Mauá. Com à falência da Colônia  Agroindustrial, esses trabalhadores negros em sua maioria  refugiaram-se nas terras que margeiam o lago de Serpa em Itacoatiara.  Esse fato tipifica a formação de núcleo populacional chamado de “Quilombos”. Atualmente, boa parte de remanescentes das primeiras famílias que, ocupou a área dos arredores do lago de Serpa, ainda vivem do extrativismo e da agricultura.

A luta para garantir os direitos, fortalecer a cidadania, consolidando a batalha contra o “racismo” e a discriminação sofrida pelos povos e Comunidades tradicionais de matriz africana, deu um passo muito grande, quando o Brasil na década de 60, foi signatário da Convenção da Organização Internacional do Trabalho, que protegeu e promoveu políticas públicas, favorecendo o aparecimento no Brasil de políticas Afirmativas para  populações afros descendentes, indígenas e ciganos.

Outro fator importante para que as desigualdades raciais fossem reconhecidas e abordadas em diferentes esferas de governo, foi quando em 09 de outubro de 2003, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei 10.639, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDO) do ano de 1996, instituindo a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro Brasileira e africana nas Escolas de Ensino Fundamental e Médio do Sistema Público e privado, atendendo a uma antiga reivindicação do Movimento Negro, fazendo com que pequena parte da dívida contraída pelo Poder Público Brasileiro com a raça negra fosse aliviada.

Em Itacoatiara, realizamos movimento em favor do reconhecimento da Comunidade Quilombola do lago de Serpa, iniciando o mesmo, com pesquisa de campo e um relacionamento muito forte frequente e humano com a Comunidade do Sagrado Coração de Jesus do lago de Serpa, formada principalmente pelas famílias Macedo, Barros, Sabinos, Melo, Nascimento, Alencar, Cantuária, Oliveira dentre outras.

Através de Ação conjunta com os companheiros Claudemilson Nonato (Professor Mestre), a Técnica Daniele Miranda Batista e o Técnico João Vieira. Participamos de inúmeras reuniões, realizações de palestras informativas, colhemos vários depoimentos e consultamos livros com pareceres de diversos escritores e pesquisadores, dentre eles: Francisco Gomes da Silva, Sylvia Aranha, Oyama Ituassu, Antônio Loureiro, Arthur César Ferreira Reis, Welter Henry Bates, Francois August Biard.  Com a colaboração do jornalista Rui Sá Chaves, esses livros foram copiados e anexados juntos a dossiê contendo levantamento histórico da Comunidade e centenas de assinaturas de comunitários que se autodefiniram como remanescentes  “quilombolas”. Todos esses documentos foram enviados  para a Fundação Cultural Palmares em Brasília, criada pela Lei nº 7.668, de 22 de agosto de 1988. Para a consolidação desse apoio tiveram a constante orientação do Luís Fernando, militante negro, membro  do “Instituto Canga Zumba” sediado em Manaus e de representantes do ITEAM (Instituto de Terras do Amazonas), que não mediram esforços para apoiar o movimento.    

Nos dias 11 e 12 de setembro de 2014, eu, o Professora Claudemilson Nonato e o Professor Reinaldo Souza e sua equipe da SEDUC-Itacoatiara, participamos do Seminário potencializando a pauta da Promoção da Igualdade Racial e Combate ao Racismo no Amazonas: políticas públicas, espaços de Poder e Movimento Sociais em diálogo. No encontro o Professor Reinaldo dos Santos, representando a SEDUC – Itacoatiara, fez uma palestra sobre seu trabalho de implementação de duas turmas do EJA na Escola Municipal Cassiano Secundo  Nunes na Comunidade do Sagrado Coração do lago de Serpa. O Professor Claudemilson Nonato, explanou  sobre a História do surgimento da raça negra no Município de Itacoatiara. Em seguida exibi o vídeo documentário realizado por mim, sobre       a historiografia da Comunidade do lago de Serpa. Conhecemos Alexandre Reis, Diretor do Departamento de Proteção do Patrimônio Afro-Brasileiro, que na Comunidade do Sagrado Coração de Jesus do lago de Serpa, na relação dos processos abertos e aguardando certificação.


No mês de dezembro de 2014, para a surpresa de todos, fomos informados que de acordo com o Diário Oficial da União nº 239, o Presidente da Fundação Cultural Palmares – FCP, José Hilton Santos Almeida, no uso de suas atribuições legais conferidas pelo Artigo 1º da Lei nº 7.668, resolve: certificar a Comunidade de Sagrado Coração de Jesus do lago de Serpa, conforme a declaração de autodefinição em Comunidade “Quilombola”. Uma vitória da Comunidade do lago de Serpa, do povo de Itacoatiara e do Amazonas, a ser contada brevemente no livro “Nasci nas Matas e não Tenho Senhor” do Mestre Claudemilson Nonato.

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